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Undone e o mergulho em uma mente distorcida

Nova série da Amazon brinca com a nossa noção de realidade

Insights delirantes e conversas mundanas: Undone, nova série da Amazon Prime, se concentra na história íntima de uma personagem em conflitos existenciais que desencadeiam uma série de acontecimentos surreais e brincam com nossa noção de realidade.

Dos mesmos criadores de BoJack Horseman, a série utiliza técnica de animação rotoscópica, já vista em Waking Life e A Scanner Darkly para dar o toque surrealista de como a protagonista Alma vê o mundo.

Alma está lutando contra o tédio do cotidiano enquanto ainda tenta lidar com a morte de seu pai e tudo ao seu redor parece progredir sem ela: seu namorado está tranquilo com a rotina, sua irmã vai se casar e a mãe controladora está seguindo em frente sem o marido.

Depois de sofrer um acidente e entrar em coma, ela acorda com poderes psíquicos que a permitem ver e se comunicar com seu pai falecido, que a convence de iniciar uma jornada com viagens temporais para tentar reverter sua morte.

Com um ritmo acelerado, e transição entre o estado alterado de consciência da protagonista e conversas mundanas com pessoas do seu entorno, a série lança contrapontos sobre espiritualidade, saúde mental, traumas e perdas – que se conectam entre todos os personagens.

O medo da protagonista em acabar enlouquecendo como sua avó paterna, que foi internada em um manicômio por ser esquizofrênica, se desenvolve após o acidente. Intercalado sempre com a crença de seu pai em poderes xamânicos.

A narrativa sempre lança possibilidades equilibradas de poderes espirituais e transtornos mentais.

Especialmente quando a personagem experimenta um poder incontrolável de alterar a realidade: seja criando uma ambientação a partir do desenho que um aluno fez ou conseguindo manipular a temporalidade.

Nessa jogada entre as interpretações sobre o mundo e o que nos apegamos como “real”, se revela uma linha tênue que divide a espiritualidade e o transtorno mental.

“E não fazemos isso todos os dias?” responde o padre à mãe de Alma, quando ela diz que está preocupada porque a filha vive conversando com alguém invisível.

Também é quando se vê que a aparição do pai é um alter ego da jovem, que pensamos na necessidade humana de transferir a nós mesmos em algo metafísico que nos mantenha com os pés no chão.

Ficamos então com os dois pontos de vista distintos sobre os superpoderes da mente: os das crenças ancestrais do xamanismo e das patológicas da sociedade moderna.

O filtro da animação sobreposto nas filmagens de atores reais cria essa atmosfera de uma consciência alterada, semelhante às experiências psicodélicas e esquizofrênicas. No fim, ambas são semelhantes, mas uma retorna ao “real” e a outra não.

Sob a perspectiva de um esquizofrênico, o tema é tratado de maneira humanista e empática. Mostrando os diferentes estágios do transtorno: passando pela letargia, o êxtase, o delírio, a motivação para concluir algo grandioso e a capacidade de mesclar elementos da realidade e transforma-los em mundos singulares dentro da mente.

Assim também temos uma boa reflexão sobre o livre arbítrio, em como até onde a mente age com autonomia para criar realidades alternativas, sem o controle de quem supostamente deveria controla-la.

Por isso Undone deixa até o capítulo final para que a gente conclua sob qual ponto de vista vamos interpretar seu enredo.

Mas se nosso cérebro naturalmente alucina constantemente a realidade que conhecemos como “normal”, todo mundo tem um pouco de loucura e delírio – e precisamos, em maior ou menor dose, para que a existência seja suportável.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

Categorias:
Cinema
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