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Age of Wonders: Planetfall | Review – Estratégia e combates aprimorados

Inspirado por Heroes of Might & Magic III; a construção e gerenciamento de cidades está longe de ser o foco.

Age of Wonders: Planetfall | Review

Colocar Age of Wonders: Planetfall (Steam / PlayStation 4 / Xbox One) na mesma bandeja que outros jogos de estratégia 4X já é uma proposta arriscada. Ele funciona de uma maneira bem parecida com o Age of Wonders original, que é inspirado por Heroes of Might & Magic III; a construção e gerenciamento de cidades está longe de ser o foco, o combate entra sempre em primeiro lugar e matéria-prima é usada no geral para o recrutamento e manutenção de unidades. Isso não quer dizer que a Triumph Studios ficou alheia aos desenvolvimentos dos 4X nos últimos anos — mais especificamente Endless Legend — para colocar algumas “inovações” na franquia.

Para isso ela se propõe em focar mais na campanha do que as iterações previas. Perdão, eu quis dizer “campanha”, que por mais que haja esforços de inserir personalidade e fazer com que os mapas sejam mais coesos do que algo gerado proceduralmente, todo mapa te limita a que tipo de unidade ou recursos você tem acesso.

Faz até sentido esse foco na campanha, já que é a primeira vez que Age of Wonders é lançado nos consoles e a Triumph precisava de um “ponto de partida” para muitos jogadores, e nesse aspecto ele funciona bem. Só é muito restritiva para o meu gosto, o meu interesse mesmo vai continuar a ser sempre os cenários. Pois são neles que as táticas mais insanas acontecem, onde as camadas de macrogerenciamento (estratégica) e microgerenciamento (táticas) determinam se uma partida poderá ou não ser vencida, e se elas funcionam e convergem tão bem quanto nos jogos anteriores. Eu sei que essas camadas nunca vão convergir tanto quanto eu espero; é impossível que isso aconteça sem que você remova a importância de cada uma e destrua o que separa Age of Wonders do restante dos jogos de estratégia.

Na camada estratégica, Planetfall abandona parcialmente o sistema de hexes para determinar o espaço ocupado por uma cidade em favor de um sistema de setores especializados. Nada tão drástico quanto Civilization VI, e um pouco mais funcional que Endless Legend, um jogo que farei menção contínua ao longo desse texto; afinal, é difícil descrever os jogos 4X atuais sem mencionar o quão forte foi o impacto do sistema de quests e a forte identidade das facções que a Amplitude implementou no jogo. As decisões da Triumph em usar a mesma linha de pensamento na hora de criar Planetfall entra em conflito o seu próprio design – em parte por conta da sua camada micro, mas chegaremos a ela em breve.

Planetfall
Sistema de setores facilita a expansão e gerenciamento de cidades.

O principal traço de Age of Wonders sempre esteve no grau de personalização que é oferecido ao jogador. A sua facção e o seu herói são decididos por você nos mínimos detalhes — que tipo de arma, que habilidades e quais doutrinas podem ser usadas dentro e fora do combate. Essa característica já cria uma dissonância com o estilo “Endless Legend” usado para determinar o mundo com o qual o jogador interage. O conceito da Amplitude é mais engessado, mais direto para certas finalidades – contar uma história, estabelecer quem são os seus aliados ou inimigos, como eles interagem entre si. É necessário ter espaço tanto para uma narrativa feita pela Triumph como para uma narrativa do próprio jogador. Isso não chega a afetar tanto as facções primárias, mas prejudica bastante as facções secundárias. 

Considero aqui “facções secundárias” as unidades neutras, a fauna ou os piratas do planeta que tendem a ser sempre hostis ao jogador, e as facções não-jogáveis que estavam no planeta. Em Age of Wonders III cada uma dessas categorias era bem distinta da outra, ironicamente dando maior personalidade e vida para cada mapa do jogo. Em Planetfall a Triumph se focou apenas nas facções não-jogáveis.

De início essas facções aparentam ser até mais bem descritas que a sua própria facção que você escolheu no começo da partida. O propósito para cada unidade no campo de batalha é bem delineado, os motivos por trás das escolhas tomadas por elas fazem sentido dentro do contexto do universo, etc. Mas a medida em que progride nos cenários, mais nota que elas só servem para gerar tensão, serem uma segunda opção para recrutar unidades (caso tome controle de uma das cidades), e instigar o jogador a explorar e realizar quests.

É um problema que se institui do momento em que você injeta um pouco mais de “história” em um jogo de estratégia cuja identidade estava tão presa ao conceito de liberdade, e um que tem sido um ponto de atrito nos últimos quatro anos; Stellaris, Endless Space 2, Total War: Three Kingdoms, todos sofrem de um grau de perda dessa “liberdade” para o jogador ou para a maneira que você enxerga o cenário. Planetfall, infelizmente, não apresenta uma solução para isso.

Planetfall
Facções não-jogáveis começam interessantes, mas perdem o “frescor” bem rápido.

Após me acostumar com a ideia que eu tinha que expandir o quanto antes para dar de cara com uma das facções primárias e considerar todas as secundárias como “incômodos que terei de lidar durante a partida, e quem tomar as suas cidades”, apreciei que a Triumph começou a dar os seus passos sozinha ao invés de tentar fazer algo nos moldes de Heroes of Might & Magic ou outro jogo que bebe da fonte de 3DO há mais de uma década.

O sistema de setores que mencionei antes, por exemplo, foi uma ótima decisão assim que notei o quanto eles diminuíram o tempo que era gasto estabelecendo um território no jogo. A quantidade de cidades é reduzida e ao mesmo tempo ficam mais interessantes. Gerenciá-las ainda é um aspecto raso, mas agora com setores tão bem distintos um do outro (um focado em energia, outro em pesquisa, outro gerando recursos raros), você tem uma melhor noção de como expandir e um maior cuidado para entender como defendê-las. É bom estar preparado para defendê-las, pois lutar é o que você mais vai fazer em Planetfall.

O que a Triumph faz é pegar o sistema de Age of Wonders e combinar com algo mais próximo possível de XCOM (2013) – incluindo mods que alteram o dano e a movimentação das unidades. Eu não sei até que ponto essa complexidade vai, cada vez que me aprofundo nesse sistema, mais novidades aparecem. Você quer que a sua unidade básica cause dano físico, elétrico e venenoso? Com o sistema de mods isso é possível. Você quer que as unidades sejam mais difíceis de serem flanqueadas? Use mods que eleve a esquiva delas! Eu já não sei mais quantos “templates” de unidades que eu criei para as minhas tropas ao longo das partidas. Toda partida era um template diferente, toda facção primária precisava ser analisada com cautela.

No aspecto conceitual o sistema é de fato maravilhoso, mas a sua implementação no single-player é pouco satisfatória devido a essa diferença de design entre o que a Triumph entende como prioridade no combate e o que Endless Legend dá como prioridade. Para Amplitude, o combate é sempre uma extensão de uma quest ou um sistema que serve para justificar a expansão territorial. Para a Triumph é o que move Age of Wonders.

Planetfall
Inclusão de mods traz uma imensa complexidade para a camada tática.

É aqui que a atenção demasiada às facções não-jogáveis para emular as condições que permitam a criação de um ecossistema similar ao de Endless Legend mais prejudicam o jogo – as batalhas iniciais são chatas, lentas e na maioria do tempo fáceis demais. As unidades neutras ou os piratas raramente usam mods. Você vai passar os 30 ou 40 turnos iniciais (de acordo com o tamanho do mapa) enfrentando as mesmas tropas. Para exemplo, eu poderia dar de cara com três ou quatro tipos de unidades neutras – com as suas devidas magias e ataques específicos – nos primeiros turnos de Age of Wonders III. Isso só ocorre em Planetall quando eu entrei em confronto com uma das facções não jogáveis, os Paragon, e depois quando lutei contra outra facção primária. Se a desenvolvedora tivesse investido um tempo adicional em garantir que todas as facções usassem mods para as suas tropas, o combate seria mais desafiador e desde o primeiro turno.

Mas também há um componente essencial para que isso não funcione tão bem no single-player, o fato de ser single-player. Age of Wonders III e a sua maravilhosa partida multiplayer assíncrona foi o melhor método que eu tive para apreciar o jogo, e o mesmo até então tem se provado verdade para Planetfall. No momento da publicação desse artigo eu estou em uma gigantesca partida com 12 jogadores — sem data para acabar, mas chuto que em 2021 eu termino — e a variedade de combinações que eu já vi de unidades e de mods é assustadora. Eu não sei como contrabalancear ou contra-atacar metade das unidades que meus amigos e amigas vieram para cima de mim.

É uma prova que o sistema de mods funciona a partir do momento em que Age of Wonders é… bem… Age of Wonders e não uma tentativa de se adequar ao design de outro jogo de estratégia. Quando ele não é uma tentativa pífia de inserir história, quests, e pequenas missões e sim quando ele abraça o combate pelo qual ele é tão elogiado.

Planetfall
Combate, ainda mais no multiplayer, continua o ponto forte de Age of Wonders.

Eu não vou dizer que Planetfall é um jogo ruim nem uma decepção quando comparado a Age of Wonders III. O vejo da melhor forma como um spin-off da franquia. Uma tentativa de repensar o que ela é na atualidade e como mantê-la relevante. Pelo visto, seguir os passos de Endless Legend e outros jogos que adotaram o mesmo estilo pode não ser a melhor forma de realizar isso. Por outro lado, é importante ver que a Triumph questiona isso – questiona a sua própria habilidade de moldar a Age of Wonders, trazer novos jogadores, e tentar renovar a sua própria linha de pensamento.

Nos últimos anos eu vi muitos jogos se manterem estáticos e perder a relevância dentro do gênero – um que já é entupido de homenagens a “clássicos”, variações de Master of Magic ou Master of Orion. É difícil olhar para o seu próprio trabalho, questionar ou criticar ele. Todas as mudanças feitas para Planetfall, por mais que eu não concorde com elas, apontam uma autocrítica da Triumph. Autocríticas são difíceis de serem feitas, difíceis de engolir e estão cada vezes mais raras no universo dos jogos.

No seu “pior” estado, Age of Wonders: Planetfall deixa a desejar em elementos que o teriam feito mais engajador de início. No seu auge, ele traz um dos mais complexos e agradáveis sistemas de combate feitos pela Triumph. Queria eu que essas peças se encaixassem melhor? Sem dúvida alguma, mas também quando elas se encaixam, eu tenho o que considero o melhor da franquia. Mesmo que muitos desses momentos fiquem reservados para partidas multiplayer.

A conclusão sobre Age of Wonders: Planetfall

Age of Wonders: Planetfall não é a sequência de Age of Wonders III que você ou eu esperamos, mas é um bom spin-off que mostra a autocrítica da Triumph sobre a sua posição no gênero de estratégia, como inovar a franquia e por onde começar essa inovação. Algumas decisões, como emular Endless Legend para a campanha e as facções, deixa um tanto a desejar, mas se o seu interesse – caso seja um veterano – está nos cenários e no multiplayer, você ao menos terá um dos melhores sistemas de combate já feitos pela desenvolvedora.

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(Por Lucas Moura, editor do HU3BR)

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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