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Synchronicity | Crítica: Uma viagem no tempo quântica e noir

Synchronicity faz a narrativa girar em torno da mulher fatal, que é a encarnação cinematográfica do mito gnóstico de Sophia – uma mulher que serve de ponte para o protagonista atravessar os diversos mundos dimensionais em busca de si mesmo, enfrentando seus diversos “duplos”.

Nos últimos anos, os filmes sci-fi de baixo orçamento estão apresentando uma verdadeira revolução na abordagem do tema viagem no tempo: caros efeitos especiais digitais são substituídos por roteiros desafiadores e inteligentes; e a abordagem relativística (Einstein) do tempo é trocada pelos desafios e paradoxos do tempo quântico: dimensões paralelas com um número infinito de possibilidades coincidindo simultaneamente. O filme Synchronicity (2015) é mais um exemplo dessa tendência no gênero. O tema da viagem no tempo com referencias ao “sci-fi noir” do clássico “Blade Runner”, de Ridley Scott. Como nos filmes “noir” clássico, Synchronicity faz a narrativa girar em torno da mulher fatal, que é a encarnação cinematográfica do mito gnóstico de Sophia – uma mulher que serve de ponte para o protagonista atravessar os diversos mundos dimensionais em busca de si mesmo, enfrentando seus diversos “duplos”.

Nos últimos anos acompanhamos, no campo da filmografia de ficção científica, uma revolução na abordagem do tema viagem no tempo. Notadamente, nas produções de baixo orçamento, compensadas com roteiros criativos e desafiadores.

Filmes como Primer (2004, o mais intricado roteiro já feito sobre o tema – clique aqui), Arq (2016), Crimes Temporais (2007), Coherence (2013) entre outros, desenvolvem uma noção, por assim dizer, quântica da possibilidade de viajar no tempo.

O fato é que, até recentemente, os filmes dentro desse verdadeiro subgênero sci-fi sempre foram tributários de uma noção relativística (Einstein) sobre o tempo. Na concepção clássica da viagem no tempo como, por exemplo, a série clássica O Túnel do Tempo (1966-67), os protagonistas só podem testemunhar eventos passados ou futuros, sem poder alterá-los.

A partir da trilogia De Volta Para o Futuro (1985-1990), os fatos tanto passados quanto futuros podem ser alterados, tendo o protagonista que enfrentar os perigos dos paradoxos e catastróficos efeitos exponenciais, como no filme Efeito Borboleta (2004).

Mas ainda esses roteiros lidam com uma única linha do tempo: o mesmo protagonista avança ou recua, enfrentando paradoxos, em uma única linha do tempo.

Mas a partir de Primus percebemos uma intensificação de filmes cujos roteiros pretendem enfrentar agora os desafios do tempo quântico. Inspirados em conceitos da mecânica quântica como “emaranhado”, “decaimento”, “colapso da função de onda” etc. Cada evento cria uma “nuvem” de possibilidades, abrindo, como um hipertexto, infinitos links de opções possíveis: o mesmo protagonista convive em múltiplos universos alternativos, em time-lines diferentes.

Uma possível viajem no tempo quântico consistiria em saltar de uma time-line para outra: paradoxalmente, a viajem pelo tempo é substituída por um deslocamento espacial, através de uma topografia quântica.

Baixo orçamento

O filme Sinchronicity (2015) é mais uma produção sci-fi de baixo orçamento cujos efeitos especiais e pirotécnicas visuais são substituídos por um roteiro intrigante e desafiador: o protagonista que se defronta com seus “duplos” entre os diversos futuros ou passados alternativos, até chegar ao paradoxo em que chegam todos os filmes que exploram essa nova abordagem do tema:

“Dimensões paralelas. Não existe um universo único, mas um número infinito de possibilidades coincidindo simultaneamente e eternamente, com toda versão imaginável de cada ser, persistindo em uma realidade concorrente. Sua excursão pelo espaço-tempo não foi ao passado do seu universo presente. Pelo contrário, foi simplesmente uma migração do seu plano de existência para outro adjacente. Trabalhando independentemente de você, em uma linha de tempo alternativa”.

Essa é a linha de diálogo chave para compreender a intrincada narrativa de Synchronicity, uma experiência em torno de uma máquina que pretende viajar no tempo a partir da abertura de um “buraco de minhoca” no tecido do tempo-espaço desse Universo.

Mas a complexa narrativa do filme não é apenas tributária da mecânica quântica: vai buscar a própria estrutura do filme noir clássico (gênero de filme dos anos 40-50 notabilizado por narrativas policiais com detetives particulares perdidos em mistérios intrincados em um universo paranoico).

E qual o melhor filme da história do cinema que conseguiu unir o estilo noir com o gênero ficção científica? Blade Runner (1982) de Ridley Scott. Se nesse filme, o protagonista tentava descobrir quem era replicante, em Synchronicity o protagonista vai transitar pelas diversas “cópias” dele mesmo em diferentes time-lines para tentar salvar o seu experimento… mas qual é o “verdadeiro”? Aquele que conseguirá salvar o experimento, pelo menos em um mundo alternativo?

E, como em todo filme noir, a mulher fatal será a ligação entre esses mundos. A mulher fatal, a encarnação contemporânea do arquétipo gnóstico de Sophia, a divindade que transmite vitalidade e sentido a esse mundo – e que conduz o herói à Verdade.

O Filme

O filme começa em plena ação em um laboratório em que não sabemos o local e o ano – típico dos filmes de baixo orçamento. Mas percebe-se que há um ambicioso experimento científico.

Depois de dias trabalhando duro, um trio de cientistas está com os nervos desgastados e a motivação alimentada por cafeína e anfetaminas. Mas os riscos são enormes: o líder é Jim Beale (Chad McKnight) e seus associados Matty (Scott Poythress) e Chuck (AJ Bowen) que tentam criar um buraco de minhoca e abrir uma fenda no espaço-tempo. A ideia é enviar alguma coisa através dele, provando a viabilidade da viagem no tempo. Mas, se algo der errado, potencialmente poderá mandar o Universo inteiro pelo ralo.

Na primeira tentativa, surge uma dália intocada através do wormhole (uma referencia ao filme noir clássico, como o filme Blue Dhalia de 1946).

As complicações surgem quando sabemos que os esforços de Jim estão sendo financiados por Klauss (Michael Ironside), um rico capitalista de negócios de alto risco cuja motivação pode ser qualquer uma, menos altruísta.

Mas as perplexidades começam a surgir diretamente do próprio experimento quando, ao sair do laboratório, se depara com Abby (Brianne Davis): por algum motivo, Jim acredita conhecê-la, em um típico déjà-vu.

Em busca de uma saída para a dependência do financiamento de Klauss e o seu interesse em se apropriar da máquina, Jim atravessa o buraco de minhoca tentando corrigir o passado uma semana antes. Lá encontrará seu duplo vivendo um tórrido romance com Abby e as relações suspeitas dela com Klauss: tudo pode ser uma conspiração contra o trio de cientistas.

Aos poucos, o que era para ser um filme sobre viagem no tempo, transforma-se em um conto doppelgänger, mas sem aprofundamento psicológico-simbólico: aqui, tudo é especulativo-científico.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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