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O analfabetismo científico como estratégia de controle no Brasil

Um país que não se apoia na ciência, consequentemente não se desenvolve e sua população fica vulnerável à exploração. Isso custa vidas, limita a evolução da sociedade e abre portas para os tentáculos predatórios da pseudociência e religião. O Brasil ainda engatinha quando se trata de uma educação apoiada na ciência. Não à toa, pois aqui o analfabetismo científico nada mais é do que uma estratégia para controlar a população e enriquecer grandes corporações.

Negar a ciência é negar a evolução de campos mais cruciais da nossa civilização: o transporte, as comunicações, as indústrias, a medicina, a educação e até a instituição democrática do voto.

Quem a recusa, simplesmente não enxerga como ela está presente e move o dia a dia de cada um. De como a expectativa de vida nos tempos pré-agrícolas e na Idade Média era de 20 a 30 anos de idade, e hoje se aproxima dos 80 anos, por conta de pesquisas científicas.

Nosso sistema educacional priva a população de uma educação científica desde o princípio, pois ainda se sustenta em bases religiosas e criacionistas.

Educar a população sobre a origem da vida, e de como funciona o universo, por exemplo, seria, para começar, ser contrário a existência de Deus e de tudo que está naquele livro chamado Bíblia.

Seria, depois, desconstruir milhares de anos de disseminação da “palavra de Cristo”, e uma vergonha em compreender o tanto de sangue já derramado por isso.

Gosto de pensar nesse assunto como a vida extraterrestre. Os ufólogos dizem: eles estão por aí, em outros planetas, mas a civilização ainda não está preparada para entender a existência de alienígenas.

Mas, pense em algo mais palpável: estaria a civilização preparada para descobrir a não existência de um Deus onipresente e onisciente? Ou ainda, estaria a civilização preparada para praticar comportamentos morais sem os mandamentos da Bíblia?

Isso é apenas uma das razões pelas quais a ciência está distante da educação básica e da mídia, em um país fundado por católicos, onde povos nativos quase foram dizimados pela religião.

Em suma, o que torna a ciência muito temida em países como o nosso, é que ela concede um poder na mão do indivíduo: o conhecimento – sobre si, sobre o mundo, sobre a vida, e tantos outros assuntos. Mais que isso, a ciência é uma maneira de se pensar.

Ter acesso à ciência é muito mais que negar a existência de Deus, é poder compreender os mecanismos de poder que movem o mundo, os jogos políticos, o que se consome, as ações humanas em detrimento do meio ambiente, de como ação individual impacta tanto em outro ser humano, quanto na natureza, selecionar informação do fluxo frenético do mundo hiperconectado. É libertar a mente e pensar por si próprio.

“É perigoso e temerário que o cidadão médio continue a ignorar o aquecimento global, por exemplo, ou a diminuição da camada de ozônio, a poluição do ar, o lixo tóxico e radioativo, a chuva ácida, a erosão da camada superior do solo, o desflorestamento tropical […]. Considerem-se as ramificações sociais da energia de fissão e fusão, dos supercomputadores, das “rodovias” de informações, do aborto, do radônio, das reduções maciças de armas estratégicas, do vício das drogas, da intromissão do governo nas vidas de seus cidadãos, da TV de alta resolução, da segurança das linhas aéreas e dos aeroportos, dos transplantes de tecidos fetais, dos custos de saúde, dos aditivos alimentares, dos remédios para melhorar a mania, a depressão ou a esquizofrenia, das pílulas anticoncepcionais tomadas após a relação sexual, das estações espaciais, da ida a Marte, da procura de curas para a AIDS e o câncer.

Como podemos executar política nacional – ou até mesmo tomar decisões inteligentes sobre nossas próprias vidas – se não compreendemos questões subjacentes?”

-Carl Sagan, O Mundo Assombrado Pelos Demônios, página 23.

Ou seja, uma população bem informada, com o poder da própria vida em mãos, capaz de pensamento crítico e uma população servil, vulnerável, manipulável e adestrada, não combinam.

Fazer ciência no Brasil ainda é mais difícil. Cientistas brasileiros não encontram grande apoio do país, e se deparam com burocracias inflexíveis, falta de recursos e recorrentes cortes em orçamentos e agências de financiamento. Só este ano, o governo congelou 44% dos orçamentos destinados à ciência e tecnologia.

Ainda que os investimentos não correspondam a nossa necessidade populacional e de desenvolvimento, o avanço da tecnologia e ciência se desenvolveram significativamente ao longo do século XX, e conquistamos grandes avanços.

Entretanto, a ciência ainda é muito distante de grande parte da população, pois fica cercada pelos muros das universidades aguardando a quem se interessar, e raramente sai dali ou é divulgado da maneira devida pela mídia.

A ciência e a tecnologia tem um compromisso com a sociedade, de prever, remediar e desenvolver pesquisas que melhorem nossa qualidade de vida. Elas podem ser o caminho para vencer a pobreza, são as engrenagens das economias nacionais e da civilização global, são os alertas sobre os perigos das tecnologias que alteram o mundo (especialmente o meio ambiente), são o que podem organizar o crescimento exponencial da população, etc.

Sendo assim, é necessário tornar acessíveis seus métodos e descobertas aos que não são cientistas, pois os cidadãos necessitam dessas informações para orientar suas vidas. Deter esses saberes dilata significativamente o mal-estar da população.

“É um desafio supremo para o divulgador da ciência deixar bem clara a história real e tortuosa das grandes descobertas, bem como os equívocos e, por vezes, a recusa obstinada de seus profissionais a tomar outro caminho. Muitos textos escolares, talvez a maioria dos livros didáticos científicos, são levianos nesse ponto. É muitíssimo mais fácil apresentar de modo atraente a sabedoria destilada durante séculos de interrogação paciente e coletiva da Natureza do que detalhar o confuso mecanismo da destilação. O método da ciência, por mais enfadonho que pareça, é muito mais importante do que as descobertas delas.”

– Carl Sagan, O Mundo Assombrado Pelos Demônios, página 37.

De acordo com o Indicador de Letramento Científico (ILC), uma pesquisa realizada pelo Instituto Abramundo, para avaliar a capacidade de ler, interpretar e expressar opinião sobre assuntos de caráter científico, cerca de 79% da população brasileira tem conhecimentos básicos em ciências, mas não são capazes de utilizá-los para entender plenamente a realidade que os cerca.

Não são poucos os reflexos dessa distância.

Podemos citar incontáveis exemplos, entre eles, as notícias e vídeos falsos que circulam pelo WhatsApp e Facebook, como um que mostra como a alface do McDonald’s é feita, no qual um homem coloca um tipo de líquido na água, e o vegetal se forma. As pessoas acreditam nisso.

Também podemos mencionar um grupo de biólogas ativistas que depredaram um experimento científico em Ilha Grande, município de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, que coletava informações de pássaros. Um estudo realizado desde 1995, cujo objetivo era acompanhar a variação na população de pássaros, e a causa por trás das variações. A única função da rede de nylon fino, que não interferia na integridade dos pássaros, era capturar os animais para a coleta de dados, e logo depois eram devolvidos à natureza. O grupo ativista, em uma justificava equivocada e tendenciosa, defendia a depredação por que aqueles animais eram maltratados e mortos.

Quando tratamos o analfabetismo científico da população como um mercado que se apropria da linguagem científica para vender produtos mais caros, podemos apontar os tais produtos detóx, que prometem “desintoxicar” o seu corpo. Sendo que esta função é do fígado, e se você não está “desintoxicando” da maneira devida, significa que você tem um grave problema, e não é um suco de couve que vai resolvê-lo.

Podemos observar como a religião interfere em esferas políticas e educacionais, juízes que julgam o réu com base em passagens bíblicas, escolas que têm o ensino religioso como parte da grade curricular, até o simples “Fique com Deus” do apresentador para encerrar o jornal. Onde fica o Estado laico?

A ciência é o que mais caminha próximo da democracia. Pois ela confere poder a qualquer um que se der o trabalho de aprendê-la e se nutre do livre intercâmbio de ideias. Ambas encorajam opiniões não convencionais e debates vigorosos. Não existem perguntas proibidas, mas elas têm que apresentar evidências que, por sua vez, devem ser comprovadas.

É um processo doloroso desconstruir as muralhas erguidas por um sistema educacional que transforma os indivíduos em peças que movem a grande engrenagem do capitalismo, também em se livrar das vendas que a religião impõe, para finalmente compreender o mundo como ele realmente é. Mas a gratificação de saber do que se faz parte, é algo que nenhuma pseudociência ou religião é capaz de oferecer.

“Descobrir a gota ocasional da verdade no meio de um grande oceano de confusão e mistificação requer vigilância, dedicação e coragem. Mas, se não praticamos esses hábitos rigorosos de pensar, não podemos ter a esperança de solucionar os problemas verdadeiramente sérios com o que nos defrontamos – e nos arriscamos a nos tornar uma nação de patetas, um mundo de patetas, prontos para sermos passados para trás pelo primeiro charlatão que cruzar nosso caminho”

-Carl Sagan, O Mundo Assombrado Pelos Demônios, pagina 53.

Em um TEDx, a bióloga e divulgadora científica Natália Pasternak, apresenta exemplos atuais da ciência como produto da sociedade de consumo, das causas e perigos do analfabetismo científico, e da responsabilidade do campo acadêmico em alfabetizar a população.

Natália é sócia fundadora do blog de divulgação científica Café Na Bancada. Fundadora da iniciativa “Cientistas Explicam”, que oferece palestras, aulas e oficinas para escolas, Universidades, museus e institutos de pesquisa. Diretora brasileira do festival internacional de divulgação científica Pint of Science/ Pint of Science Brasil, no qual coordena palestras científicas em bares por mais de 50 cidades do país. Atualmente tentando conciliar a vida de pesquisadora com o trabalho de divulgação e popularização da ciência.

Fontes: [LabNetwork| BBC | O Mundo Assombrado Pelos Demônios – A Ciência Como Uma Vela No Escuro | TEDx]

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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