Cinema

Hereditário | Crítica: A estrada para o Inferno está pavimentada por convites

Hereditário (“Hereditary”, 2018) é um filme singularmente aterrorizante. Ele não cava apenas nos abismos sombrios do nosso inconsciente. Explora principalmente o fenômeno bem atual da incomunicabilidade familiar e do processo psíquico de negação. Dois plots clássicos do gênero são explorados: o Mal que ameaça a união familiar e o elemento narrativo do “convite” através do qual o Mal pode ter a licença para entrar em nossas casas e pavimentar o caminho ao inferno. Mas o singular em “Hereditário” é que o Mal vem do interior do próprio lar: uma família que se sente desconfortável com exposições francas de qualquer coisa que possa revelar o interior um ao outro. Silêncios e mecanismos de negação encobrem traumas do passado que pode retornar como uma demoníaca maldição.

O filme Hereditário (Hereditary, 2018) é sobre demônios, sejam eles reais ou internos, aqueles que estão na mente de cada um.

O filme de estreia de Ari Aster (escreveu e dirigiu) é uma daqueles filmes inspirados em diversos clássicos (O Bebê de Rosemary, O Exorcista, Horror em Amityville, O Iluminado etc.) que se conecta com a essência do gênero do horror e do fantástico: o estranho, o aterrorizante e o bizarro como metáforas daquilo que a sociedade, através das instituições, Ciência e Linguagem, tenta exorcizar – aqueles três elementos freudianos que formariam as raízes do mal estar da civilização: a finitude, a fúria do mundo exterior e os vínculos com os outros seres humanos. Aquilo que certa vez Sartre definiu como o Inferno: o outro.

O medo e o mal estar que não é verbalizado, é reprimido ou ignorado, relegado ao inconsciente, ao esquecimento ou ao passado. Mas que pode retornar como uma maldição ou um sintoma.

Sobre Hereditário

Hereditário começa como um psicodrama de uma família, os Graham, um clã que parece amaldiçoado por uma má sorte e também uma disposição genética para vários tipos de doenças mentais. Uma família que se sente desconfortável com exposições francas de qualquer coisa que possa revelar o interior um ao outro. Silêncios e processos de negação, eventualmente quebrados por monólogos explosivos da mãe, constroem o quadro de uma família na qual a incomunicabilidade é a fresta por onde cresce o Mal – tragédias e recorrentes doenças mentais serão metáforas de algum tipo de maldição real que aos poucos vai sendo revelada na narrativa.

Esse tema da família ameaçada pelo Mal é um plot por excelência dos filmes de terror: a união familiar ameaçada por alguma entidade ou monstro. Mas, a novidade em Hereditário é que o Mal que desagrega vem do interior da própria família, de um passado incompreendido cujos familiares parecem ter virado às costas, preocupados que estão com seus próprios afazeres ou vidas pessoais.

A chave narrativa é logo dada no início, quando Anne Graham, no serviço funerário de sua mãe, diz que a falecida era “uma mulher muito reservada e privada… ela tinha rituais privados e amigos privados”. É a senha para sermos introduzidos em algum mistério cuja força está presente naquela família, latente e ameaçador. Enquanto o patológico processo de negação da família parece se agravar a cada tragédia.

A família como geradora do próprio Mal que a destrói é um tema religioso, bíblico, como a maioria dos temas do gênero terror: demônios que ficam em uma família migrando de uma pessoa para outra estão presentes em vários livros bíblicos como em Êxodo (Deus visita a maldade dos pais nos filhos até a quarta geração…) ou Provérbios e Tiago – pais que fizeram votos com demônios no passado e, por isso, têm direito legal de agirem.

Ao lado disso, Hereditário aproxima do tema da doença mental como alguma coisa congênita ou geneticamente hereditária, como uma nefasta herança familiar que paira como maldição sobre as gerações futuras. Se no passado a doença mental era considerada contagiosa, perigosa e até criminosa, hoje ela foi colocada no âmbito da genética e hereditariedade – o discurso racional e científico que para os Graham será mais uma forma de negação.

Negação que fragmenta e isola a família, que estará pronta para receber uma ajuda, um convite. Aquilo que pavimenta as estradas que levam para o Inferno.

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Wilson Ferreira

Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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