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Civilization e a genialidade de Sid Meier

Psicologia, matemática e pesquisa histórica: como a mente genial de Sid Meier criou um dos jogos mais populares da história

Civilization e a genialidade de Sid Meyer

Criador de uma das sagas mais populares do mundo dos games, Sid Meier revela como criou o Civilization, aquele jogo de estratégia que, quando você começa, é praticamente impossível parar.

Em um bate-papo com a equipe do Ars Technica, Meier compartilhou seus feitos para a indústria de jogos, inspirações para Civilization e os desafios em transformar a versão em tempo real para a de estratégia baseada em turnos.

Simpático e com um semblante sereno, ele ainda confessa com bom humor sobre um bug do jogo que faz Gandhi, um líder com baixo nível agressivo, se tornar uma ameaça nuclear: “É possível que eu tenha colocado um bug ali, mas não foi intencional”, diz.

Meier alavancou na indústria de games com a MicroPose, sua desenvolvedora de jogos fundada em 1982, que começou como uma companhia de jogos simuladores de voo. Posteriormente, decidiu explorar outros gêneros, e então nasceram: Pirates! (1987), Covert Action (1990), Railroad Tycoon (1990) e a obra prima Civilization.

“Civilization é um jogo que permite você vivenciar 6000 anos de história. Começando bem simples com uma primeira cidade, você controla uma civilização, explora o mundo, interage com outros líderes, desenvolve tecnologias, se envolve em operações militares…”, conta.

Experienciar toda a história da humanidade e desenvolver uma civilização da pré-história até os tempos atuais parece algo muito complexo para um jogo. Mas todas as tarefas são realizadas de maneira bem simples e compreensível, desenvolvendo camadas progressivamente à medida que o jogo avança. 

“Todo jogo é diferente, todo jogo é sua história particular de como você guiou sua civilização através da antiguidade até a Era Espacial”.

A árvore de tecnologia é o que sustenta toda a dinâmica de progresso: é nela que se traça objetivos de jogo e avanços, e onde todas as conquistas estão interconectadas: é preciso de uma mais simples para alcançar outra mais complexa.

Segundo o desenvolvedor, a ideia surgiu de um livro que ele estava lendo na época, que organizava em uma linha do tempo os progressos da humanidade: diferentes avanços políticos, políticas sociais e assuntos militares. O modelo virou template para criar a “tech tree” do jogo.

Os desafios para chegar até Civilization

O processo de design de Civilization acompanhou o lançamento de outro jogo, o Railroad Tycoon, de 1990, baseado em simulação de negócios, onde se comanda uma empresa de ferrovias. A ideia era expandir o conceito para que os jogadores pudessem gerenciar um mundo inteiro simulado.

Foi em um trem rumo à Nova York que ele e Bruce Shelley consideraram criar algo épico, grandioso e divertido. Eles então pensaram: por que não a história de toda a civilização?

Com um material de referência sólido que apresentava as diretrizes de como as civilizações se desenvolveram, Meier e sua equipe criou alguns protótipos iniciais, que ficaram presos em tempo real, nos quais o jogador direcionava as unidades e o desenvolvimento da tecnologia sem a estrutura e o ritmo impostos pelos turnos. O que foi um grande problema.

O sistema de controle em tempo real foi inspirado em Sim City, no qual as construções são feitas à medida que se explora o mapa e onde tudo acontece simultaneamente enquanto o jogador observa tudo crescer gradualmente.

Mas seria algo próximo à Age of Empires que Civilization se assemelharia se continuasse nesse gênero. Na época, não havia tecnologia suficiente para criar algo do tipo, e se houvesse, Meier confessa que teria seguido nessa direção.

Os protótipos ficaram adormecidos por um tempo, enquanto eles concluíam outro jogo que estava em andamento, o Covert Action, do gênero de espionagem. Concluir tal projeto trouxe a perspectiva que Meier precisava para transformar Civilization em um jogo baseado em turnos.

Só um turno a mais

Civilization e a genialidade de Sid Meyer

Uma pesquisa foi concluída. Uma nova cidade foi conquistada. A Inglaterra declarou guerra contra você. Sua civilização avança em uma nova era. Você olha no relógio e tá ficando tarde. É melhor parar. “Só mais um turno e eu vou dormir”. De repente, os pássaros estão cantando. Um novo dia raiou. Parabéns, você caiu nos encantos de Civilization.

Isso que a equipe chama de “um fenômeno Civilization” começou a ser analisado lá em 1996, após o lançamento do primeiro título da série. Eles recebiam aos montes cartas com feedback de jogadores dizendo que quando entravam no jogo esqueciam do tempo e praticamente da vida.

A conclusão é que o Civ permite aos jogadores estruturarem suas próprias expectativas, oferecendo objetivos de curto, médio e longo prazo. Quando um é concluído, surge na tela um aviso requisitando outro. Ou seja, tudo acontece antecipadamente na mente.

“Você quase não está jogando no presente”, diz Meier. “Você está jogando no futuro – e esse futuro é apenas mais um turno à frente.”

A jogabilidade baseada em turnos distintos cria a ilusão de que o jogador não está tão longe de alcançar a vitória. Mas há sempre objetivos a serem alcançados e estratégias a serem traçadas.

 “Não há nenhum momento do jogo que você já tenha conquistado, de fato, tudo aquilo que você queria. Há sempre algo a ser feito e a ser conquistado”, explica.

A psicologia de Sid Meier

Civilization e a genialidade de Sid Meyer

Durante uma palestra em 2010, o desenvolvedor afirma que para criar um game grandioso, conceitos como matemática, ciência e pesquisa histórica não são os elementos principais.

“O mais importante é entender a psicologia do jogador”, diz. “Jogar é uma experiência psicológica, está tudo na nossa cabeça, o que nos torna egocêntricos. Se você joga ‘Civilization’, onde seu objetivo é ser um tipo de deus para criar uma sociedade, você é egocêntrico”.

Para Meier, é preciso buscar o equilíbrio entre recompensas e perdas em um jogo. Neste sentido, ele analisa o impacto psicológico dos jogadores quando enfrentam uma perda ou frustração.

“Todo mundo quer ser acima da média”, explica. “Por isso que inserir grandes desafios e fazer o jogador perder para que ele tente passar daquele nível novamente é importante, o que nem sempre acontece”.

Civilization não é um jogo fácil de vencer. A frustração é iminente. A mecânica exige muito de nossa atenção e cálculos estratégicos, realmente.

Tanto que a ideia original do jogo era acentuar a sensação de ascensão e queda. No entanto, os jogadores não gostam muito disso. Quando perdem ou veem sua sociedade decair, eles recarregam um progresso anterior salvo, e tentam de novo. “Isso estraga a experiência de jogo”, explica.

Meier comenta que a Inteligência Artificial é fundamental para a psicologia dos games, e os jogadores sempre exigem que ela seja mais inteligente do que eles. “Entretanto, se a IA está fazendo algo brilhante, os jogadores suspeitam que ela está roubando e isso quebra a sensação de realidade do jogo”.

Vida longa e próspera à Sid Meier e Civilization

A série que começou há 28 anos, incorporou com maestria o gênero “4X” (eXplore, eXpand, eXploit and eXterminate). Os títulos seguintes do primeiro lançamento têm investido pesado para aprimorar os gráficos, a interface, as mecânicas de jogo e Inteligência Artificial. A cada título e expansão, novas civilizações são adicionadas; até agora já são 26.

Pode-se dizer, de fato, que Civilization é um jogo completo, que nos permite explorar o fantástico progresso da civilização, interagindo com grandes nomes da história mundial, selecionando os tipos de relações que vamos manter com outros líderes e definindo nossas políticas para comandar o mundo.

Mais que um jogo, Civ é uma ferramenta educativa que mexe profundamente com nossa percepção sobre a ética, o poder, nossas emoções primárias e ideologia – permitindo que vejamos seu impacto na história mundial.

De seu império chamado Firaxis, aos 65 anos, Sid Meier carrega nos olhos o orgulho de criar um dos games mais importantes da história, acompanhado por gerações fiéis de jogadores. Vida longa e próspera!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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